Começava então a contagem decrescente de um longo período de mais de dois anos de comissão, que havia de terminar para a maioria do pessoal em 27 de Dezembro de 1969, depois de nova viagem no Niassa até Lisboa, já que para mim e para o Comandante Carvalho terminou a 24 de Dezembro, uma vez que o regresso se fez por via aérea.
Desde a partida dos companheiros, no Niassa, até ao dia que, de avião, também rumámos a Lisboa, esteve a nosso cargo resolver qualquer assunto pendente, relativamente ao PAD 1245, formando nós a chamada “Comissão Liquidatária”.
Ao assumir o controlo de qualquer instalação militar ocupada por outra unidade, havia que fazer a transmissão das instalações e haveres para a nova unidade.
O material tinha de ser conferido por espécies, unidade a unidade, para que no fim a relação fosse subscrita pelo novo responsável, a atestar a conformidade dos números.
Tal aconteceu com o nosso Pelotão, embora de uma forma que não me farto de evocar, a traduzir a estatura moral e o carácter de uma pessoa como o nosso Comandante Carvalho.
De facto, logo após a contagem dos primeiros equipamentos e porque detestava perdas de tempo, o Comandante Carvalho dirige-se ao comandante do Pelotão que estava a ser rendido, de apelido Guedelha, e pergunta:- dá-me a sua palavra de honra que a lista está conforme a carga existente ?
Recordo que a resposta foi um sim pouco categórico, mas o certo é que de imediato a relação foi assinada e a transferência consumada.
Não houve, por isso, mais contagem de equipamentos.
Verificou-se mais tarde que havia grande discrepância entre os números da relação e os equipamentos existentes nas instalações, sendo curioso o facto de uma só forja ter sido contada por três, considerando-se conforme a relação.
Para tal acontecer, concluiu-se depois, que logo após ser contada numa das dependências do aquartelamento alguém se encarregava de a transferir às escondidas para outra dependência, onde era novamente contada, repetindo-se esta operação ainda uma vez mais.
Mesmo as 30 camas existentes em nome da unidade rendida, haviam de surgir como pertencendo a outra unidade, pois constava dos arquivos um documento subscrito pelo comandante do pelotão rendido, aceitando o empréstimo das referidas camas.
A situação da falta de todo este material foi sendo regularizada ao longo da nossa comissão, através de autos de destruição fictícios ou de reposições por incapacidade, de modo que no final pudemos transferir, para o pelotão que nos rendeu, uma unidade com a sua carga completa.
Haveria de testemunhar uma outra situação em que a “palavra de honra” assumiu compromisso sagrado para dois homens – o Chefe Carvalho e um detido no Depósito Disciplinar – cuja unidade existia nas instalações do BCAÇ.13, onde estava também o PAD.
Esse detido, de apelido Freitas, era um negro que ali estava acusado de ligações às forças independentistas que o exército português enfrentava.
Porque o seu comportamento não indiciasse perigo de fuga, o Freitas beneficiava de alguma liberdade dentro do aquartelamento, permanecendo muitas vezes nas instalações do PAD, onde era tratado como igual por todo o nosso pessoal.
A sua compleição física era de tal ordem, que colocava as mãos sobre as velas de uma viatura de transporte de carga existente no PAD, suportava a descarga eléctrica, até que o motor parava completamente.
Nessa altura ainda o Chefe Carvalho fazia serviço de Oficial-dia.
Acontecia que aos detidos casados era permitida a visita das esposas, havendo até a possibilidade de relações íntimas, mas de pouco à-vontade, face às condições.
E num dia em que o Chefe Carvalho fazia serviço, chamou o Freitas e pergunta-lhe: dás-me a tua palavra de honra que não foges se eu te deixar ir dormir à sanzala com a tua mulher, esta noite ?
De imediato o Freitas estende-lhe a mão, dizendo: tem a minha palavra.
E o Freitas, nessa noite, transpõe a vedação e vai ficar com a família até de madrugada, altura em que regressa por onde saíra, a tempo de ser contado na formatura que controlava os detidos do aquartelamento.
Enquanto o Chefe Carvalho fez serviço, pôde o Freitas usufruir deste privilégio, baseado no valor que a palavra tinha para ambos.
Todavia, ainda hoje me interrogo do porquê de o Freitas não ter aproveitado a oportunidade para fugir.
Era assim o Homem que nos comandou, e cuja dimensão moral e carácter tivemos a dita de conhecer ao longo da comissão, para quem a honorabilidade da palavra era valor supremo.
Desde a partida dos companheiros, no Niassa, até ao dia que, de avião, também rumámos a Lisboa, esteve a nosso cargo resolver qualquer assunto pendente, relativamente ao PAD 1245, formando nós a chamada “Comissão Liquidatária”.
Ao assumir o controlo de qualquer instalação militar ocupada por outra unidade, havia que fazer a transmissão das instalações e haveres para a nova unidade.
O material tinha de ser conferido por espécies, unidade a unidade, para que no fim a relação fosse subscrita pelo novo responsável, a atestar a conformidade dos números.
Tal aconteceu com o nosso Pelotão, embora de uma forma que não me farto de evocar, a traduzir a estatura moral e o carácter de uma pessoa como o nosso Comandante Carvalho.
De facto, logo após a contagem dos primeiros equipamentos e porque detestava perdas de tempo, o Comandante Carvalho dirige-se ao comandante do Pelotão que estava a ser rendido, de apelido Guedelha, e pergunta:- dá-me a sua palavra de honra que a lista está conforme a carga existente ?
Recordo que a resposta foi um sim pouco categórico, mas o certo é que de imediato a relação foi assinada e a transferência consumada.
Não houve, por isso, mais contagem de equipamentos.
Verificou-se mais tarde que havia grande discrepância entre os números da relação e os equipamentos existentes nas instalações, sendo curioso o facto de uma só forja ter sido contada por três, considerando-se conforme a relação.
Para tal acontecer, concluiu-se depois, que logo após ser contada numa das dependências do aquartelamento alguém se encarregava de a transferir às escondidas para outra dependência, onde era novamente contada, repetindo-se esta operação ainda uma vez mais.
Mesmo as 30 camas existentes em nome da unidade rendida, haviam de surgir como pertencendo a outra unidade, pois constava dos arquivos um documento subscrito pelo comandante do pelotão rendido, aceitando o empréstimo das referidas camas.
A situação da falta de todo este material foi sendo regularizada ao longo da nossa comissão, através de autos de destruição fictícios ou de reposições por incapacidade, de modo que no final pudemos transferir, para o pelotão que nos rendeu, uma unidade com a sua carga completa.
Haveria de testemunhar uma outra situação em que a “palavra de honra” assumiu compromisso sagrado para dois homens – o Chefe Carvalho e um detido no Depósito Disciplinar – cuja unidade existia nas instalações do BCAÇ.13, onde estava também o PAD.
Esse detido, de apelido Freitas, era um negro que ali estava acusado de ligações às forças independentistas que o exército português enfrentava.
Porque o seu comportamento não indiciasse perigo de fuga, o Freitas beneficiava de alguma liberdade dentro do aquartelamento, permanecendo muitas vezes nas instalações do PAD, onde era tratado como igual por todo o nosso pessoal.
A sua compleição física era de tal ordem, que colocava as mãos sobre as velas de uma viatura de transporte de carga existente no PAD, suportava a descarga eléctrica, até que o motor parava completamente.
Nessa altura ainda o Chefe Carvalho fazia serviço de Oficial-dia.
Acontecia que aos detidos casados era permitida a visita das esposas, havendo até a possibilidade de relações íntimas, mas de pouco à-vontade, face às condições.
E num dia em que o Chefe Carvalho fazia serviço, chamou o Freitas e pergunta-lhe: dás-me a tua palavra de honra que não foges se eu te deixar ir dormir à sanzala com a tua mulher, esta noite ?
De imediato o Freitas estende-lhe a mão, dizendo: tem a minha palavra.
E o Freitas, nessa noite, transpõe a vedação e vai ficar com a família até de madrugada, altura em que regressa por onde saíra, a tempo de ser contado na formatura que controlava os detidos do aquartelamento.
Enquanto o Chefe Carvalho fez serviço, pôde o Freitas usufruir deste privilégio, baseado no valor que a palavra tinha para ambos.
Todavia, ainda hoje me interrogo do porquê de o Freitas não ter aproveitado a oportunidade para fugir.
Era assim o Homem que nos comandou, e cuja dimensão moral e carácter tivemos a dita de conhecer ao longo da comissão, para quem a honorabilidade da palavra era valor supremo.
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