segunda-feira, 30 de março de 2009

História do PA/D 1245

NOTA PRÉVIA
A razão de ser deste escrito

- Uma homenagem ao Homem; ao Comandante; à Família; ao Grupo.
- Ter da amizade a ideia de que é um bem tão precioso, que podia ser a solução de todos os problemas, entre os homens.
- Aceitar e defender o princípio de que a Vida se deve fundamentar sempre nos seus aspectos mais positivos.
- Não ser capaz de conter o testemunho de um estado de alma.
- Considerar que todos estão connosco, se entendermos que a recordação é uma componente da Vida.

A história da nossa unidade irá ser aqui contada, mensagem a mensagem, procurando respeitar a cronologia dos acontecimentos, desde 1967 até 1969. Naturalmente muito resumida.

Álvaro Roxo Vaz
Ex-furriel miliciano

domingo, 29 de março de 2009

A mobilização para Angola - 1967

A formação do Pelotão fez-se no Entroncamento, ali se juntando os militares que viriam a marchar para Angola, cumprindo uma missão dita patriótica, mas que para quase todos não era mais do que o drama da mobilização para a guerra das antigas colónias.

De início estiveram:

Comandante:
Carlos Eugénio de Oliveira Carvalho – Tenente

Sargentos:
José Maria Maia de Oliveira – 1º. Sargento
Fernando Augusto Faria Cardeal – 2º. Sargento
Marcelino José Pinheiro Rodrigues – 2º. Sargento
Carlos Alberto da Cruz Conceição – Furriel Miliciano
Ramiro Manuel Marques Ferreira – Furriel Miliciano
José Monteiro da Silva – Furriel Miliciano
Álvaro Roxo Vaz – Furriel Miliciano
Mário Manuel Dâmaso Covão Baptista – Furriel Miliciano
Miguel Joaquim dos Santos Anjos – Furriel Miliciano

Praças:
Delfim Custódio de Jesus – 1º. Cabo
Manuel Pimentel Osório – 1º. Cabo
Fernando Batista Vieira- 1º. Cabo
Valdemar Ferreira Carvalho – 1º. Cabo
José Vicente Gomes Estima – 1º. Cabo
António Pinto Amaral – 1º. Cabo
João da Conceição Guilherme – 1º. Cabo
Francisco Taveira de Castro – 1º. Cabo
Duarte Nogueira Pereira – 1º. Cabo
Manuel Joaquim Dias Oliveira – 1º. Cabo
Francisco Silva António – 1º. Cabo
António Rodrigues Monteiro – 1º. Cabo
Joaquim de Oliveira S. Martinho – 1º. Cabo
Dário José Rosa Dias – 1º. Cabo
José Manuel de Jesus Maravalhas – 1º. Cabo
Manuel Zacarias Miranda da Silva Soldado – 1º. Cabo
Manuel Maria da Silva Gaspar – Soldado
Henrique da Silva Henriques – Soldado
Carlos Alberto Lopes dos Santos – Soldado
Armando de Sousa Marques – Soldado
Avelino de Sousa Pinho – Soldado
Victor Gonçalves Fernandes Dias – Soldado
Martinho Augusto Costa Moutinho – Soldado
Joaquim Pereira Pinto – Soldado
Manuel Joaquim Rodrigues Pereira – Soldado
Domingos Fernando Neves de Oliveira – Soldado
Amílcar Cândido de Jesus Estêvão – Soldado
Orlando Lopes – Soldado
José da Conceição – Soldado
Manuel de Jesus Silva – Soldado
Delfim Filipe – Soldado
António José Rebocho – Soldado
José Manuel Tavares Durães – Soldado

Durante o tempo de permanência no Entroncamento fomo-nos conhecendo, havendo a distribuição de algumas tarefas, consoante as especialidades de cada um.
Coube-me a tarefa de desenhar o símbolo que havia de identificar o Pelotão, segundo as sugestões do Comandante Carvalho.
Procurando que o princípio da lealdade imperasse entre todos, passámos a designar-nos de Os Leais, encimando o listão com o lema “o trabalho é a melhor distracção”, também preconizado pelo Comandante.
E é nesta base que são mandados fazer galhardetes e emblemas.
Entretanto, vão sendo conhecidos alguns casos pessoais que passam a ser tema de conversa, como é o caso do nascimento do filho do Miguel Anjos, que quase chega aos dez meses sem nascer, gerando no pai uma expectativa que se transmitiu a todos nós, dado que se aproximava a data do embarque.
Mas outros casos e comportamentos foram sendo conhecidos, como o de um elemento de outro pelotão, com a curiosidade de ter contraído matrimónio nessa altura e que, a dormir, relatava em voz alta todos os pormenores do acontecimento.
Enquanto permanecemos no Entroncamento, pela mão do soldado Gaspar, um outro companheiro se juntou a nós: o cão que havia de ser baptizado com o nome de “leal” e nos acompanhou até Angola.

Depois de formado o pelotão e após algumas notícias não confirmadas ou mesmo contraditórias, chega finalmente o dia de embarque.
Em casa, minha mãe vivia um longo período de doença, destruindo em mim a coragem de dizer que partiria para Angola, passado pouco tempo.
Só a uma irmã disse o que estava passar-se, de modo que me ajudasse a preparar a bagagem que havia de levar, sem que a mãe se apercebesse.
E foi depois de comer uma canja de galinha, regada com muitas lágrimas e em profundo silêncio, que disse “até para a semana” e parti para a viagem até Angola.

sábado, 28 de março de 2009

A viagem no Niassa

Embarcámos no Niassa a 11 de Outubro de 1967.
Durante onze dias ao sabor de ondas e marés, as condições em que nos instalaram deixavam bastante a desejar, principalmente para os militares não graduados.
Se os oficiais e sargentos foram alojados em camarotes com razoáveis condições, já os praças foram instalados em condições muito severas, num navio de transporte de carga e animais, adaptado ao transporte de militares para as ex-colónias.
Quanto à alimentação, houve um pouco de tudo, mas não convém esquecer uma intoxicação que deixou grande parte do pessoal no limite das suas condições físicas.
Felizmente que fomos navegando em águas mais ou menos tranquilas, o que muito contribuiu para atenuar os enjoos no pessoal.
E ao longo da viagem o tempo foi em grande parte consumido com as crónicas cartadas que, noite e dia atrás de noite e dia, levaram à penúria alguns que não largaram lerpa, montinho, sete-e-meio e outros jogos de azar.
Mas o tempo tinha de ser ocupado de qualquer maneira, pois Angola ficava longe.

sexta-feira, 27 de março de 2009

A chegada a Angola

Aportámos em Luanda no dia 22 de Outubro, domingo.
Na véspera, ainda no mar, houve o jantar de despedida oferecido pelo comandante do N/M Niassa às “Forças Militares que se destinam à nossa Província de Angola”.
Recorda-se a ementa:- Creme Maria Luísa, Linguado Colbert, Perú à Niassa, Couve Flor ao natural. Quanto à sobremesa:- Queijo S.Jorge, Bávoro de baunilha, Amêndoa torrada, Melão e Café.

Em Luanda, à nossa espera, estavam alguns amigos e militares que iríamos render em Salazar. Os pontos de interesse para as tropas foram logo dados a saber:- B.O., Casa Branca e outros que tal. As fábricas da cerveja também foram logo referenciadas, pois uma visita à Cuca e Nocal impunha-se para breve. Encaminhados para o Grafanil, aí permanecemos até à viagem para Salazar, no comboio de linha estreita, cuja velocidade nas subidas permitia a saída para recolher um cacho de bananas ou um abacaxi e regressar ao comboio sem qualquer problema. Mas ainda em Luanda, aconteceram as visitas às fábricas de cerveja Cuca e Nocal.

Habituar os militares à cerveja da “província” era importante para os que a produziam e ambas as fábricas se excediam na forma de a promover.
E verificaram-se então os encharcamentos que haviam de proporcionar uma grande “instabilidade no terreno” que o pessoal pisava, a fazer lembrar a ondulação em alto mar, ou ainda os pedidos de socorro, “chamando pelo gregório”.

quinta-feira, 26 de março de 2009

O aquartelamento em Salazar-Quanza Norte

Chegados a Salazar ou N’Dalatando, lá fomos instalados nas respectivas acomodações. Oficial e sargentos em casas civis na cidade de Salazar e o restante pessoal nas instalações do Batalhão de Caçadores 13 (BCAÇ13).
Mas para além dos militares vindos do Entroncamento, outros chegaram mais tarde para também integrar o Pelotão:

Norberto Lobinho Cachatra – Sargento Ajudante
António Antunes Dias – Sargento Ajudante
Valdemar Tomaz Vieira – 1º. Cabo

Fizeram ainda parte do Pelotão, as seguintes praças do contingente territorial de Angola:

Barão João Gaspar Pedro – Soldado
Mateus Augusto Domingos – Soldado
Gomes Francisco – Soldado
António Zovo - Soldado
Cachambalala – Soldado

quarta-feira, 25 de março de 2009

A Honorabilidade da palavra

Começava então a contagem decrescente de um longo período de mais de dois anos de comissão, que havia de terminar para a maioria do pessoal em 27 de Dezembro de 1969, depois de nova viagem no Niassa até Lisboa, já que para mim e para o Comandante Carvalho terminou a 24 de Dezembro, uma vez que o regresso se fez por via aérea.
Desde a partida dos companheiros, no Niassa, até ao dia que, de avião, também rumámos a Lisboa, esteve a nosso cargo resolver qualquer assunto pendente, relativamente ao PAD 1245, formando nós a chamada “Comissão Liquidatária”.
Ao assumir o controlo de qualquer instalação militar ocupada por outra unidade, havia que fazer a transmissão das instalações e haveres para a nova unidade.
O material tinha de ser conferido por espécies, unidade a unidade, para que no fim a relação fosse subscrita pelo novo responsável, a atestar a conformidade dos números.
Tal aconteceu com o nosso Pelotão, embora de uma forma que não me farto de evocar, a traduzir a estatura moral e o carácter de uma pessoa como o nosso Comandante Carvalho.
De facto, logo após a contagem dos primeiros equipamentos e porque detestava perdas de tempo, o Comandante Carvalho dirige-se ao comandante do Pelotão que estava a ser rendido, de apelido Guedelha, e pergunta:- dá-me a sua palavra de honra que a lista está conforme a carga existente ?
Recordo que a resposta foi um sim pouco categórico, mas o certo é que de imediato a relação foi assinada e a transferência consumada.
Não houve, por isso, mais contagem de equipamentos.
Verificou-se mais tarde que havia grande discrepância entre os números da relação e os equipamentos existentes nas instalações, sendo curioso o facto de uma só forja ter sido contada por três, considerando-se conforme a relação.
Para tal acontecer, concluiu-se depois, que logo após ser contada numa das dependências do aquartelamento alguém se encarregava de a transferir às escondidas para outra dependência, onde era novamente contada, repetindo-se esta operação ainda uma vez mais.
Mesmo as 30 camas existentes em nome da unidade rendida, haviam de surgir como pertencendo a outra unidade, pois constava dos arquivos um documento subscrito pelo comandante do pelotão rendido, aceitando o empréstimo das referidas camas.
A situação da falta de todo este material foi sendo regularizada ao longo da nossa comissão, através de autos de destruição fictícios ou de reposições por incapacidade, de modo que no final pudemos transferir, para o pelotão que nos rendeu, uma unidade com a sua carga completa.
Haveria de testemunhar uma outra situação em que a “palavra de honra” assumiu compromisso sagrado para dois homens – o Chefe Carvalho e um detido no Depósito Disciplinar – cuja unidade existia nas instalações do BCAÇ.13, onde estava também o PAD.
Esse detido, de apelido Freitas, era um negro que ali estava acusado de ligações às forças independentistas que o exército português enfrentava.
Porque o seu comportamento não indiciasse perigo de fuga, o Freitas beneficiava de alguma liberdade dentro do aquartelamento, permanecendo muitas vezes nas instalações do PAD, onde era tratado como igual por todo o nosso pessoal.
A sua compleição física era de tal ordem, que colocava as mãos sobre as velas de uma viatura de transporte de carga existente no PAD, suportava a descarga eléctrica, até que o motor parava completamente.
Nessa altura ainda o Chefe Carvalho fazia serviço de Oficial-dia.
Acontecia que aos detidos casados era permitida a visita das esposas, havendo até a possibilidade de relações íntimas, mas de pouco à-vontade, face às condições.
E num dia em que o Chefe Carvalho fazia serviço, chamou o Freitas e pergunta-lhe: dás-me a tua palavra de honra que não foges se eu te deixar ir dormir à sanzala com a tua mulher, esta noite ?
De imediato o Freitas estende-lhe a mão, dizendo: tem a minha palavra.
E o Freitas, nessa noite, transpõe a vedação e vai ficar com a família até de madrugada, altura em que regressa por onde saíra, a tempo de ser contado na formatura que controlava os detidos do aquartelamento.
Enquanto o Chefe Carvalho fez serviço, pôde o Freitas usufruir deste privilégio, baseado no valor que a palavra tinha para ambos.
Todavia, ainda hoje me interrogo do porquê de o Freitas não ter aproveitado a oportunidade para fugir.
Era assim o Homem que nos comandou, e cuja dimensão moral e carácter tivemos a dita de conhecer ao longo da comissão, para quem a honorabilidade da palavra era valor supremo.

terça-feira, 24 de março de 2009

Uma comissão com família

Entretanto chega a Salazar a família do Comandante Carvalho: a esposa e a filha.
E é com esta família que todo o pessoal do Pelotão passa a contar também, já que o ambiente propiciou uma vivência tão fraternal que rapidamente minimizou a falta da família de cada um, naturalmente sentida por quem é forçado a deslocar-se para tão longe e nas condições em que o fazia.
Mas a D.Aurélia e a Paula - para nós a Paulinha – foram uma família fantástica.
Sendo muitas e variadas as experiências vividas pelos camaradas do PAD, este escrito bem poderia ficar enriquecido com as suas histórias.
Só que a pesquisa, os contactos que haveriam de ser feitos e o tempo necessário para as reconstituir fragilizam, de certo modo, essa possibilidade.
Contudo, noutra parte deste escrito, hão-de ser lembradas algumas peripécias dos companheiros, socorrendo-me do arquivo da memória.
Mesmo fugindo ao rigor cronológico, importa referir desde já o acontecimento que marcou indelevelmente todo o pessoal:- a morte do camarada José Manuel Tavares Durães, vítima de acidente.
Aconteceu nas proximidades do Dondo, quando capotou uma viatura do PAD, que se dirigia a Luanda.
Das três pessoas transportadas, o Durães teve a infelicidade de ser pisado pela armação da capota, sofrendo morte quase imediata.
É uma experiência para a qual ninguém estava preparado – eu não estava – tanto mais que as diligências que tiveram de ser feitas, para ser levado o corpo para a casa mortuária, autópsia, auto de selagem e trasladação, foram por mim acompanhadas quase em permanência e, confesso não ser capaz de esquecer, o quanto elas me marcaram na altura.
Depois ainda a emoção do último adeus ao Durães, por parte dos companheiros, em Salazar, antes de o féretro ser enviado para a então Metrópole.
Mas a vida continuou e as marcas desse acontecimento foram sendo esbatidas, face a uma normalidade que nos proporcionou vivências mais agradáveis.
Até pela forma de ser do nosso Comandante Carvalho, passámos a chamá-lo de Chefe, embora muito pouco de harmonia com as normas militares.
E uma circunstância muito forte contribuía para assim ser – o facto de lidarmos com alguém que nos tratava como seres humanos e não como simples números de uma estrutura, como era a militar.
Aliás, um aviso também foi feito pelo Chefe Carvalho em dado momento, ainda no início da comissão: a de estarmos sujeitos a levar um tabefe, em vez de um castigo que tivesse de ser registado no nosso cadastro.
Naturalmente que nunca o fez, mas também esta postura queria significar o paternalismo que lhe era próprio, castigando da forma como o faz qualquer pai, com intuito pedagógico.
Mas, outros exemplos existiram, em que ficou demonstrada a protecção que o pessoal do PAD tinha da sua parte.
Um deles foi vivido por mim, quando por informação de alguém foi dito a um sargento do BCAÇ13, em serviço na porta de armas, de que eu não era portador da carta de condução militar.
A passagem foi-me então barrada, quando conduzia um jipe do PAD.
Informado o Chefe Carvalho, a sua primeira reacção foi a de se insurgir contra o militar que assim procedia, dado que era ele, Comandante do PAD 1245, que me autorizava a conduzir aquela viatura, mas de imediato surgiu a sentença: teria de me abrir muitas vezes a cancela para passar, já que eu iria circular repetidamente abaixo e acima, enquanto ele estivesse de serviço na porta de armas, mas com o seu veículo particular.
E assim aconteceu, até me fartar.

segunda-feira, 23 de março de 2009

Levantamento de rancho

Um outro caso, também marcante para todo o pessoal, a atitude assumida na elaboração do relatório de Oficial-dia, quando esteve de serviço e lhe foi feita queixa de que a comida servida, tanto aos militares do Batalhão como do PAD, não estaria em condições.
Constatando que realmente assim era, apresentou o relatório desse facto e, dentro dos normativos militares, o mesmo teria de chegar ao Quartel General, em Luanda, com as inerentes consequências, que nestas circunstâncias poderiam ser uma inspecção ou auditoria ao Conselho Administrativo do Batalhão.
Soube ter havido pânico naquele Conselho Administrativo, procurando dissuadir o Chefe Carvalho de apresentar o relatório.
Acabou por retirá-lo, depois de obter a garantia de que o pessoal seria tratado como ele merecia e tinha direito, mas sempre com a ameaça de que, a repetir-se uma situação igual, outro relatório haveria de ser feito.
Apenas uma consequência imediata – o Chefe Carvalho não mais foi nomeado para o serviço de Oficial-dia.
Desse acontecimento havia de resultar ainda, por parte de alguns dos outros oficiais, uma atitude de maldicência face à sua pessoa, tentando denegri-lo, aproveitando o facto de, na sua condição de oficial, acompanhar mais com os seus furriéis milicianos e sargentos do que com esses oficiais.
Mas quando essas reacções chegavam ao seu conhecimento, apenas lhe mereciam o simples comentário de que o nível dos seus furriéis e sargentos estava muito acima do nível desses tarimbeiros.

domingo, 22 de março de 2009

A conquista da cidade de Salazar

À chegada, como é natural nestas circunstâncias, foram os militares que estávamos a render que nos proporcionaram os primeiros contactos, tanto com quem nos havia de tratar da roupa e tarefas afins, como ainda com os locais onde se comiam os melhores petiscos ou bebiam as melhores imperiais.
A partir daí cada qual tomava conta de si próprio para conquistar a cidade, que o mesmo é dizer, as pessoas que iríamos conhecer ao longo de dois anos.
E as recordações que hoje perpassam na memória não podiam ser melhores, pelo menos na perspectiva pessoal que é a minha.
Claro que existe um período de tempo em que os contactos são muito superficiais, até porque as pessoas da cidade, habituadas como estavam às sucessivas rendições de militares, avaliavam sempre o tipo de pessoa que eventualmente poderia ser admitida no seu círculo de amizades.
Merecendo ser aceite, depois era muito simples a integração.
Embora pequena relativamente a outras cidades da então Metrópole, Salazar era para Angola uma cidade de dimensões muito consideráveis e muito interessante.
Dotada de todas as estruturas próprias de uma capital de distrito, a existência de Liceu, Escola Industrial e Comercial, Missão Católica ministrando ensino e internato, equipamentos desportivos e de lazer, cinema, piscina, para além de comércio muito variado, tinha para nós, jovens militares, um interesse redobrado, pois onde há muitos jovens também maiores são as possibilidades de se estabelecerem relações de amizade.
E foi o que aconteceu pouco tempo depois de nos instalarmos.

sábado, 21 de março de 2009

Criando amizades

A casa que os sargentos do PAD ocupavam na cidade, tinha uma localização privilegiada relativamente à Missão Católica, onde eram internas e estudavam largas dezenas de alunas.
No final de cada dia, era habitual as mesmas darem um passeio pela cidade acompanhadas por missionárias, que seriam suas monitoras.
O grupo era composto por alunas de todas as idades, mas as mais velhas ocupavam sempre a cauda do grupo.
Como o percurso se fazia pela rua da nossa casa, claro que ali estaríamos de plantão para as ver passar e dirigir-lhes eventualmente algum piropo.
Mas fomos mais longe na nossa apreciação, colocando-nos também perto da cauda do grupo e fazendo o seu acompanhamento, para gáudio de algumas mas provocando a ira das monitoras.
A dada altura a situação inverteu-se e os alvos dos comentários passámos a ser nós, chegando o dia em que, eu próprio, fui mesmo o visado.
Um pouco à distância, marchávamos na cadência do grupo, quando uma das alunas se atrasa e se dirige a mim, perguntando se não me chamava Beto, pois conhecia alguém com esse nome que lhe parecia a minha pessoa.
Disse-lhe que não, mas uma vez que era alguém seu conhecido, até ficava com pena de o não ser.
Percebi mais tarde que esse fora apenas o pretexto para se nos dirigir e estabelecer diálogo connosco.
A partir daí muitos bilhetes foram aparecendo na nossa casa, que chamavam de “a casa d’Irene”, recordando a letra de uma canção na altura muito em voga, que diria mais ou menos assim: “na casa d’Irene se canta se dança ...”.
Não era propriamente uma casa onde se cantasse ou dançasse, mas era verdade que ali reinava sempre a boa disposição.

Tal episódio veio dar lugar a outros semelhantes, como desafios em bilhetes que faziam chegar a nossa casa, para encontros no final da missa de domingo, que permitissem o mútuo conhecimento, mas tendo de ludibriar os olhares das monitoras que não as perdiam de vista um instante.
Este tipo de vivências, próprio de quem está longe dos seus e apenas quer que o tempo passe depressa, não representou porém, que se saiba, a quebra de qualquer compromisso assumido com as suas namoradas ou esposas que ficaram na Metrópole.
Dois casos houve, é certo, que culminaram em casamento – o do Rosca Moída e o do Vieira “dos frangos”, de Santarém.
Mas se havia compromisso anterior com outra mulher, não nos foi dado conhecer.
Todavia, as situações aparentando paixão também aconteceram, ao ponto de ser informado que alguém corta os pulsos com uma tesoura, por não ser correspondida no que dizia ser o seu amor.
Certo é que o leque de amizades se foi alargando.
E uma das relações que se estabeleceu também foi com o Simões, condutor da ambulância do Hospital de Salazar, que se dedicava à caça grossa, como veados, javalis, palancas e outros animais do mesmo porte.
Morava à entrada da Quipata.
A mulher do Simões era uma cozinheira extraordinária e os convites para um petisco feito das caçadas, foram surgindo.
Vezes sem conta surgiram esses convites, que para nós eram sempre bem vindos, e vezes sem conta convivemos com o Simões e família, deliciando-nos os com os petiscos da sua mulher.Quando nos deslocávamos à Quipata, onde aconteciam as petiscadas, era por vezes conviva da casa do Simões um ancião que nos diziam ser Soba (chefe de uma determina área territorial).
Uma figura que impressionava pelo seu porte e uma pessoa que cativava imediatamente quem com ele convivia.
Não me cansava de o escutar, face à sua filosofia de vida.
Mesmo a conversa sobre temas tão sensíveis como os relacionados com a independência dos povos africanos eram já por si abordados, face a perguntas que lhe fazia, e às quais respondia de forma que denotava bem todo um saber de experiência feito.
Ficou-me na memória.

sexta-feira, 20 de março de 2009

Abrir portas com a música

Uma paixão de sempre, tem sido para mim, a música.
Por isso ter adquirido, passado pouco tempo da chegada, um equipamento que permitia essa maravilhosa companhia.
Tinha da parte da namorada – esposa de hoje – a cooperação que permitia estar a par dos êxitos que iam surgindo, no mercado português da música.
Assim, de quando em quando, lá chegava mais um disco.
E foi à custa da música que os conhecimentos e relações pessoais se foram alargando, abrindo portas, chegando a pontos de ser um convidado de quase todos os casamentos, baptizados, ou festas que se fizeram em Salazar.
Apenas com uma condição – ter de levar comigo a aparelhagem e a música.
Por causa da música, em dada altura foi-me sugerida a realização de convívios dançantes, ao fim de semana, a levar a cabo no terraço do Hotel Miradouro, que existia em Salazar.
Tinha como companheiro nesta tarefa o Gonçalo, de Macedo de Cavaleiros.
Iniciámos os contactos, foram feitos alguns convites a moças conhecidas e o pedido para que levassem outras amigas.
O êxito foi estrondoso, passando a contar com a participação dum leque alargado de jovens, de entre as quais a filha do Governador Civil.
E é da parte de sua mãe que algumas vezes somos obsequiados com bolos, guloseimas e bebidas, ali levadas por uma funcionária.
Até que um dia a própria esposa do Governador Civil decide, de surpresa, visitar o local do convívio.
Não que houvesse atitudes menos dignas, mas bastou a postura de um ou outro par mais enlaçado para que, a partir desse momento, algumas jovens deixassem de aparecer, de entre as quais a filha, ao mesmo tempo que a gerência do hotel passava a levantar dificuldades para disponibilizar o espaço.
Coisas de um tempo passado.
Mas a música havia de proporcionar-me um momento que, de embaraçoso, se transformou numa amizade muito apreciada com o Delegado do Procurador da República da comarca de Salazar, Dr. António Lucas, que prematura e dramaticamente havia de desaparecer.
Foi no dia em que sou surpreendido com um pedido, feito através do plantão à porta-de-armas, para que fosse falar com o Dr. Delegado, ao Tribunal.
Até lá chegar, interroguei-me vezes sem conta sobre o crime que teria cometido, para que tivesse de ir ali.
Finalmente o aliviar da pressão, quando perante um repetido pedido de desculpas pelo transtorno em me deslocar ao Tribunal, o Dr. António Lucas me diz ter tomado conhecimento da minha música e, como ia casar-se, pedia se não me importava de a gravar para aquele momento.
Ao mesmo tempo faz-me o convite para participar na cerimónia, que iria decorrer em Luanda.
Longos serões foram passados a gravar música e, a partir daí, uma amizade que conduziu à minha contratação para trabalhar na firma de que também era sócio – Adelino & Sobrinhos – que não se concretizou, pela circunstância dramática de um acidente, que lhe ceifou a vida.
Fora aceite que eu iria regressar à Metrópole, após o fim da comissão.
Entretanto, solicitado por aquela firma, iria frequentar na NCR, em Lisboa, um curso para me habilitar a trabalhar com equipamento daquela marca, instalado na empresa para execução da sua contabilidade, já então mecanizada.
Após receber correspondência do Dr. António Lucas, preparava-me para frequentar tal curso, quando leio num jornal diário a notícia de um brutal acidente, na estrada de Catete, em que perdeu a vida o Delegado do Procurador da República de Salazar.
Algo abalado com o facto e ignorando quem mais estaria ao corrente do meu compromisso com o Dr. António Lucas, decido não frequentar o curso e consequentemente não voltar a Salazar.

quinta-feira, 19 de março de 2009

A ferramentaria, a secção de peças, o bar

Se bem que o lema “o trabalho é a melhor distracção”, sugerido pelo Comandante Carvalho para o PAD, fosse motivo de comentários brincalhões do estilo “então prefiro morrer chateado, mas à boa vida”, a verdade é que quando ocupados, nem dávamos pelo tempo que tão lentamente ia passando.
Nesse sentido houve a decisão de fazer coisas que deixassem a nossa marca.
Uma delas foi a ferramentaria.
Outra foi a Secção de Peças.
A quando da recepção da unidade, que havia de gerar o episódio da subscrição da relação sustentada no aperto de mão entre os dois comandantes, surgiu também aos nossos olhos uma secção de peças em estado caótico, quanto a organização.
Ficando responsável da mesma, o Miguel Anjos escolhe a sua equipa e decide em primeiro lugar meter ordem na forma como as pessoas se abasteciam das peças, obrigando à apresentação de requisição para que qualquer uma dali saísse.
Naturalmente que esta decisão não agradou aos que, aproveitando a confusão, iam tirando partido dela.
Depois avançou para nova etapa na sua organização, construindo as prateleiras e os cacifos que iriam permitir seleccionar, identificar e armazenar todas as peças.
A seguir levantou-se a questão da segurança, face ao valor das existências em armazém, e para resolver o problema foi reforçada a estrutura daquele espaço.
Finalmente, havia que dar à secção uma imagem exterior mais decente e, nesse sentido, se construiu uma estrutura metálica concebida para ser envidraçada.
Todas estas transformações levaram o seu tempo, mas a meio da comissão era possível ter a funcionar uma secção de peças que era também motivo de orgulho.
A terceira foi o Bar.

E havia de ser este a tornar-se o local mais apetecido, dentro do BCAÇ.13.
Situava-se nas traseiras das instalações do PAD, aproveitando-se o espaço duma arrecadação que foi ampliada e devidamente adaptada.
O balcão foi feito em ferro forjado, saído das mãos de um artista nesta matéria: o Moutinho.
Tinha a forma arredondada, mas a parte da frente era ainda forrada com aduelas de pipos do vinho, cravejadas e envernizadas.
Tal qual um bar citadino, junto ao mesmo foram colocados bancos de pé alto, chumbados no chão.
O restante mobiliário, como mesas e cadeiras, era também feito em ferro forjado.
Para completar esta obra tão emblemática para o PAD, invejável para qualquer espaço onde uma actividade exclusiva fosse exercida, a sua decoração foi primorosa.
Os motivos tinham como base uma figura de humor publicada numa revista militar de então, chamada Zé da Fisga.
Mas a razão para nos sentirmos bem no bar do PAD, não era apenas a do ambiente criado.
Havia outro motivo, este relacionado com a gastronomia - as sandes de leitão feitas pelo Estima.
Oriundo da região da Bairrada e conhecedor de como se prepara o leitão assado, não tardou em construir um forno no quintal da casa do Chefe Carvalho, preparando aí os petiscos que haviam de ser servidos no bar.
A origem dos leitões, essa é outra história.
Muitos e bons momentos se viveram naquele espaço, que deixou de ser apenas do PAD, para se tornar de todo o Batalhão.
No entanto, o orgulho era grande e era nosso, por termos uma sala de visitas tão agradável.
Lá ficou para outros.
Mas se tal fosse possível, bem me apetecia cortar aquele espaço, encaixotá-lo e trazê-lo comigo.

quarta-feira, 18 de março de 2009

Passear, sempre que se podia

Chegados a meio da comissão e porque os objectivos haviam sido cumpridos, quanto a obras como as que foram referidas, para além de outras de não menor importância, havia que pôr em prática a ideia de que o tempo tinha de ser passado da melhor maneira.
Passámos então a organizar passeios ao fim de semana.
E a pretexto de fazer a rodagem das viaturas reparadas no PAD, lá fomos visitar as Quedas do Duque de Bragança, Pedras Negras, Barragem de Cambambe, a primeira capital de Angola, numa ilhota do Rio Quanza, Novo Redondo com as suas corridas de automóveis e o apetecível marisco servido quase gratuitamente com a cerveja, a Barra do Quanza com os seus restaurantes especializados em churrasco, o Cacuaco onde se comia lagosta tratada duma maneira inigualável, etc., etc

terça-feira, 17 de março de 2009

África sem calções

Algo que me espantou quando cheguei a Salazar, foi não encontrar militares vestindo calções, uma vez que do nosso espólio de fardamento os mesmos faziam parte.
Tinha de facto toda a lógica que, indo nós para um clima tropical, do fardamento fizesse parte o calção.
Procurando saber se havia algum motivo para que ninguém o usasse, chegaram a dizer-me que não era autorizado.
Decidi então vestir os calções e apresentar-me assim no quartel.
E aguardei pelo resultado.
Primeiro ainda notei algum espanto na cara dos militares mais antigos, mas apenas isso.
Passado pouco tempo começo a ver outros de calção, depois ainda outros e em breve estava generalizado o seu uso.
Finalmente os militares em África, ou melhor, em Salazar, passaram a usar também calção.

segunda-feira, 16 de março de 2009

Quando o kissondo ataca

Poderia ter outro nome, mas fico com a ideia de ser conhecida por kissondo a formiga que, em cacho e aos milhões, se deslocava, devorando tudo o que encontrava no caminho.
Qualquer ser vivo, animal ou vegetal de pequenas dimensões que estivesse na passagem, desaparecia pura e simplesmente.
O terreno por onde o cacho de formigas passasse, parecia ficar aspirado.
Mas não só animais de pequenas dimensões eram atacados.
Qualquer animal de maior porte, ou mesmo um ser humano, que tivesse a desdita de se atravessar no seu caminho, fazendo dispersar o cacho, seria atacado por essas carnívoras formigas.
E sendo milhões, os resultados eram desastrosos.
Um episódio, para o demonstrar, verificou-se no aquartelamento durante um período nocturno de sentinela.
Um dos militares, não se apercebendo do cacho de formigas, provoca a sua dispersão e é imediatamente envolvido por elas.
Deixando o armamento para trás, corre para a camarata gritando por socorro, ao mesmo tempo que retirava toda a roupa do corpo.
Foi então possível aos companheiros ajudá-lo a livrar-se do tormento, visto que as formigas foram cravando as suas garras nas zonas mais sensíveis do corpo, onde deixavam agarrada a cabeça, quando eram puxadas.
Outras situações de grande devastação verificavam-se quando atacavam locais onde havia criação de galinhas.
Apesar da existência de valas com água à volta dos galinheiros, para impedir a sua passagem, quando conseguiam chegar ao interior, o que sobrava era invariavelmente um amontoado de penas e esqueletos dos galináceos.
Nem a casa do Chefe Carvalho se livrou de receber um dia a desagradável visita de umas quantas, e só à custa de petróleo se livrou delas.

domingo, 15 de março de 2009

Efeitos do feijão-macaco

Quem passou pela experiência, sabe que o efeito do feijão-macaco nada tem a ver com o comportamento intestinal.
Sabe, sim, que provoca uma coceira terrível, a lembrar os macacos.
Daí o nome por que é conhecido.
Acontece quando as suas vagens secam e estalam, libertando minúsculos estiletes parecendo poeira, que provocam uma grande irritação na pele de quem seja envolvido por ela.
Quanto mais coçar, mais difunde a irritação.
A solução que normalmente encontravam, para atenuar a coceira, era untar a pessoa com óleo queimado e, suavemente, raspar o óleo que, por sua vez, envolvia os estiletes e os retirava do corpo.

sábado, 14 de março de 2009

Um capelão operacional

O nosso companheiro Avelino, que todos tratamos por Russo, devido à cor do seu cabelo – um ruivo inconfundível – era e será ainda, um grande condutor.
E muitas peripécias por si vividas, teria para contar, como a que eu próprio constatei, quando seu companheiro de viagem.
A dado momento chamo-lhe a atenção para uma luz que acaba de acender-se no painel de instrumentos, na cabina.
Sem qualquer palavra desenrosca a tampa vermelha que protegia a lâmpada, retira-a, lança-a janela fora, coloca de novo a tampa vermelha e diz-me que o problema estava resolvido.
Sem comentário.
Mas uma outra lhe ouvi contar a respeito de um capelão, conhecido como o capelão-operacional, pelas suas investidas em operações que nada tinham a ver com a sua condição de sacerdote.
Aqui se regista também.
Aconteceu quando o Russo se deslocou a uma unidade, por nós apoiada, no norte do sector militar.
Apresentou-se-lhe o capelão dessa unidade com um cinturão cheio de granadas e fortemente armado, acompanhando um negro algemado, que dizia ter de entregar na PIDE, em Malange.
Pedindo boleia, acomodou-se na cabina, sendo o negro preso pelas algemas na grade da caixa de carga.
A dado momento do percurso manda parar a viatura e sugere ao Russo para fazer descer o negro, colocá-lo na picada e simular uma tentativa de fuga com atropelamento, matando-o.
Incrédulo e indignado, o Russo nega-se a fazer tal coisa.
Ainda assim e perante a ordem do perturbado capelão, para que soltasse o preso, sobe para a caixa de carga a fim de o libertar da grade.
Nessa altura o negro olha-o nos olhos e diz-lhe mais ou menos isto: tu não vais fazer-me mal, porque eu já te vi passar muitas vezes na picada e nunca te fiz mal, nem a ti nem ao pessoal do PAD.
Depois disto, é um Russo decidido que enfrenta o capelão, dizendo-lhe que os deixava já ali, ou se queria continuar viagem, o negro seguiria assim até Malange.
E a viagem prosseguiu sem palavras e sem qualquer outro incidente.
Teria o Freitas a ver com este comportamento do detido ?

sexta-feira, 13 de março de 2009

O inaudito Gafanhoto

Era o meu braço-direito, por sugestão do Chefe Carvalho, embora me parecesse mais um braço-canhoto, face à falta de jeito que tenho para trabalhar com o esquerdo.
Importa dizer desde já que o Gafanhoto era de todo desprovido de maldade e por isso não se justificar a forma como os companheiros lidavam com ele, tornando-o vítima das mais variadas partidas.
Mas a situação por si criada, a quando do abastecimento do isqueiro, dá a exacta medida do Gafanhoto.
Aconteceu quando se dirigiu à secção do Zé Monteiro e do Mucaba, para abastecer o seu isqueiro com gasolina de um dos bidões que armazenavam aquele combustível.
Após retirar o combustível, atestar o isqueiro e com o depósito ainda aberto, decide experimentar o funcionamento do mesmo.
De facto o isqueiro funcionou perfeitamente, provocando um incêndio de grandes dimensões que, para além dos prejuízos, quase transformou o Gafanhoto em torresmo.
Fez-me lembrar a situação de humor sobre a frase que se dizia constar de uma lápide – “Aqui jaz Paulo Paulico que, com um fósforo, aceso foi ver se o depósito da gasolina estava cheio. E estava.”
Mas de entre as partidas que lhe pregaram, merece ser referida a do guindaste, em que o penduraram.
Foi no guindaste que servia para retirar os motores das viaturas.
Sendo atraído para junto do tripé em que o mesmo estava montado, alguém o distrai permitindo que outro coloque o gancho no cinto das suas calças, enquanto um terceiro acciona a alavanca de içar, deixando o Gafanhoto suspenso a esbracejar e a gritar que nem um possesso.
Quando se apanha com os pés no chão, desata a perseguir os que lhe pregaram a partida, vindo estes a refugiar-se numa casa de banho, contra a qual investiu o Gafanhoto dando pontapés na porta.
De tal ordem, que atraiu a atenção do Comandante do Batalhão, chegando este a ameaçá-los com um castigo, face aos prejuízos que poderiam estar a causar.

quinta-feira, 12 de março de 2009

Os frangos da angústia

No mesmo dia em que fui companheiro de viagem do Avelino, com o episódio da lâmpada que se acendeu no painel de controlo da viatura, havia de registar-se uma nova aventura.
Decorria a nossa viagem em velocidade talvez excessiva, quando a certa altura ultrapassamos um automóvel ligeiro, já sobre uma curva da estrada.
Teria sido uma manobra algo perigosa.
Sempre em andamento bastante acelerado, a dado momento deparamo-nos com o nosso pronto-socorro e uma equipa, comandada pelo Ferreira, que se preparava para socorrer um camião que se havia despistado.
Paramos à frente do pronto-socorro e saímos para ver o aparato causado pelo despiste do camião, que transportava grades de verga com cabritos, galináceos, porcos, etc.
Passados uns momentos, chega e pára junto a nós, o automóvel que havíamos ultrapassado.
O seu condutor identifica-se como oficial superior e pergunta quem era o responsável da nossa viatura.
Percebendo que algo de anormal estava a passar-se, tive ainda tempo de fazer sinal ao Ferreira, para que dissesse que a viatura estava ali integrada naquela equipa de socorro, e assim foi.
O mesmo oficial pergunta então se não tinha passado ali uma viatura igual àquela, ao que o Ferreira disse que sim, e que havia prosseguido viagem.
Muito furioso, disse que tinha presenciado uma manobra muito arriscada e o militar que a cometeu tinha de ser punido.
E arrancou, dizendo que tinha de o alcançar nos Morros de Salazar.
Não alcançou, porque nós o ludibriámos, e ficamos então na caçada aos frangos, porcos e cabritos que se tinham tresmalhado com o despiste, recolhendo uma quantidade enorme de animais para as nossas comezainas.
No dia seguinte, vamos então mandar preparar um petisco de frangos, servido no reservado de um café-restaurante por nós frequentado.
Já bem comidos e bebidos, a certa altura cria-se uma confusão entre o Ferreira e uma funcionária que descia pelas escadas de serviço do primeiro andar do prédio, separadas do reservado por uma grade de madeira.
Sentindo que estava a ser provocada, ameaça o Ferreira com uma vassoura.
Este reage, saltando a grade e correndo atrás dela pelas escadas.
Surge então o patrão que, assumindo a defesa da empregada, tenta agredir o Ferreira com a mesma vassoura.
Este, mais lesto, segura-o e dá-lhe um encontrão que o faz tombar.
Lá conseguimos serenar os ânimos, mas passado pouco tempo surge uma patrulha militar a intimar-nos para irmos ao quartel, pois haviam feito queixa do Ferreira.
A partir daí desenrola-se contra ele um processo disciplinar, cuja instrução nunca terminou, porque o Chefe Carvalho também nunca lhe deu sequência, apesar dos inúmeros pedidos da Repartição de Justiça do Batalhão, que tinha a instrução a seu cargo.
Já perto do final da comissão o Chefe Carvalho chama o Ferreira, dá-lhe para as mãos as folhas do processo, até ali manuscritas, e diz-lhe para as rasgar.
Ainda assim, a angústia do Ferreira não terminou, pois receava que houvesse qualquer pendência nos serviços de justiça, que o impedissem de regressar à Metrópole.
Serenou de vez quando, já em Luanda, foi informado que o Serviço de Justiça nos havia passado a quitação respeitante ao PAD 1245.
Mas antes levou um susto, quando lhe disse que o seu caso não estava encerrado, tendo de ficar até à sua conclusão.

quarta-feira, 11 de março de 2009

Actividades desportivas e de lazer

Ao longo do serviço militar, iniciado na incorporação, depois recruta e por aí fora, até final, havia a oportunidade de conhecer verdadeiros artistas em diversos campos.
Recordo um hipnotizador, com sessões e espectáculos verdadeiramente apaixonantes, e um conterrâneo oriundo de uma longa família de onze irmãos, todos com dote especial para a música, que acompanhei para todo o lado enquanto estivemos juntos, aproveitando a boleia para os concertos e festas que ele animava.
Recordo ainda alguns desportistas profissionais, como os guarda-redes Brassard e Zé Domingues, e outros cujo nome se esfumou na memória.
No PAD havia os que gostavam de futebol e jogavam quando existiam adversários para a equipa que formavam.
Surgiu também, em dada a altura, a oportunidade de formar uma equipa de futebol de salão, que havia de participar num torneio entre militares.
De entre os soldados que integravam o PAD, oriundos do contingente territorial de Angola, havia um negro super dotado para este tipo de desporto.
No entanto, as suas capacidades ficavam diminuídas consideravelmente quando o obrigavam a jogar calçado, tal como os companheiros.
A solução, com os melhores resultados para a nossa equipa, era então jogar descalço.
Só que os adversários nunca aceitavam que ele jogasse descalço, dizendo que era contra as regras, porque na verdade viam que ele tocava com os pés na bola parecendo que a manuseava com as mãos, para além de ser mais certeiro e ter maior potência nos remates.
Mas nem todos praticavam desporto no PAD.
Alguns, como eu, pertenciam à claque de apoio.
Como desportista apenas pratiquei natação, chegando à final nos campeonatos militares de natação, em Tomar, no ano de 1967.
Contudo, em Salazar ainda vivi uma experiência no hóquei em patins, juntamente com o Miguel, mas de curta duração.
Mesmo assim, tudo contribuía para passar o tempo.

terça-feira, 10 de março de 2009

As épocas festivas

As épocas festivas mais marcantes, como Natal, Páscoa, e mesmo Carnaval, provocavam sempre momentos de grande nostalgia, fazendo lembrar os que estavam longe.
Tanto pela tradição, como na tentativa de atenuar essa saudade, eram oferecidas a todo o pessoal refeições conjuntas, com particular relevo na Ceia de Natal.
Momentos festivos eram então organizados, com música ou peças de teatro alusivas à quadra, e assim se ultrapassavam esses momentos de saudade.Acontecia também que a família, por essa altura, não deixava de enviar as tradicionais filhós, um queijo ou um chouriço, e quando assim era, então sim, era mesmo festa rija.
Já no Carnaval as coisas eram diferentes, pois existindo folia e animação nas ruas, o caminho a seguir era participar.
Depois havia os bailes de Carnaval.
E aí, era sempre a acelerar !

segunda-feira, 9 de março de 2009

A loucura das férias, em Angola

O segundo período das férias, de que beneficiei em Angola, foi ali gozado, tendo o primeiro sido gozado na Metrópole, onde me desloquei por via aérea.
Havíamos acabado de vender um FORD V8, de nove lugares, que eu e o Ferreira tínhamos à sociedade, quando chegou a altura das mesmas.
Como razão para o vendermos, a ameaça de o motor gripar, devido a avaria na bomba de óleo.
E tal veio a acontecer nas mãos do novo proprietário.
Socorreu-nos então o amigo Simões, que nos emprestou o seu jipe da caça.
E foram de autentica loucura, as peripécias vividas em Luanda, com tal jipe.
Felizmente, não houve qualquer acidente.

domingo, 8 de março de 2009

Os morros de Salazar

Todos os que integrámos o PAD 1245 conhecemos bem os Morros de Salazar, situados a cerca de quinze quilómetros da cidade.
E se bem os conhecíamos, era pelas piores razões.
Quando se falava dos Morros, inevitavelmente se lhes associava um pedido de socorro, para os acidentes que ali aconteciam.
E foram muitos, enquanto o PAD 1245 permaneceu em Salazar.
As consequências eram quase sempre as mais nefastas, pois raramente eles deixavam de ser fatais para quem os sofria.
Verificava-se que, devido à concepção da estrada, os condutores não se davam conta da inclinação que a mesma tinha em longos lanços da encosta dos Morros, aparentando uma inofensiva recta.
Tentando suster a marcha, havia uma utilização excessiva do travão, que a dado momento deixava de ter eficácia devido ao aquecimento.
Quando surgia alguma curva, acontecia o pior.
Um dos que recordo e nos deixou bastante tristes, sucedeu em vésperas de Natal, talvez o de 1968, com um camionista que se dirigia a Luanda.
Tendo parado em Salazar, a meio da tarde, arrancou dizendo que tinha de apressar-se, para chegar a tempo de passar a consoada com a família.
No dia seguinte, Dia de Natal, é chamado o pronto-socorro do PAD para os Morros, onde um camião de mercadorias se tinha despistado.
Era o mesmo camionista.
Fora surpreendido pelo acidente, de forma fatal.
Uma outra experiência dos Morros de Salazar foi vivida pela Família Carvalho e por mim, como seu companheiro de viagem.
Regressávamos de um fim de semana, em Luanda, quando nos apercebemos de uma trovoada à distância, pairando sobre os Morros, que já alcançávamos com a vista.
Entretanto, havíamos passado por um pequeno posto de comércio à beira da estrada, onde muitas viaturas se encontravam paradas.
A experiência de quem andava na estrada, aconselhara a suster a marcha até que a trovoada amainasse, pois sabia da violência das tempestades tropicais.
Coisa que nós não fizemos.
A certa altura estamos com a tempestade sobre nós, com relâmpagos e trovões constantes, duma violência indescritível, ao mesmo tempo que se abate uma carga de chuva, que parecia o dilúvio.
A condução teve de fazer-se com a janela aberta, em marcha muito lenta, orientando-se o Chefe Carvalho pela berma da estrada, pois os limpa-párabrisas não conseguiam tornar visível a estrada, devido à intensidade da chuva.
Quando finalmente nos livrámos da tormenta e chegamos a Salazar, parecia ter decorrido uma eternidade.A experiência foi aterradora, não me custando dizer que, ao sair do carro mal me sustinha de pé.

sábado, 7 de março de 2009

Dedicação e espírito de ajuda

Um exemplo, que me mostrou não ser a cor da pele que define se uma pessoa é melhor que outra, foi a acção do soldado Cachambala, quando fui acometido de febre altíssima, causada por uma amigdalite.
Havia recorrido aos serviços médicos do quartel, para tratamento, e foram-me prescritos alguns medicamentos.
O seu efeito não foi tão rápido que impedisse uma situação febril, como nunca havia experimentado e que até me fez delirar.
Quase não conseguindo pôr-me em pé, fiquei acamado em casa.
Estava incumbido da sua limpeza o soldado Cachambala, de raça negra, que também pertencia ao PAD.
Para desempenhar essa tarefa, era trazido pelo jipão que o Braguita conduzia e que todos os dias, pela manhã, vinha buscar-nos para entrarmos ao serviço.
Enquanto estávamos ausentes, fazia o Cachambala a limpeza, regressando ao quartel no final do serviço, ainda de manhã.
Nesse dia, porém, não regressou ao quartel, nem passou por casa do Chefe Carvalho, onde tinha de tratar outro assunto.
Foram então procurá-lo e, contaram-me depois, dão por ele de vigília junto a mim.
Quando lhe perguntam porque se encontra ali, respondeu: o furriel Roxo não está bem e eu tenho de estar aqui para lhe acudir se for preciso.
Foi um gesto que nunca esqueci, como prova de uma dedicação e espírito de ajuda não muito vulgares.

sexta-feira, 6 de março de 2009

Um Homem e as suas convicções

Convivendo durante todas as horas do dia com o Chefe Carvalho, durante o período em que só os dois nos encontrávamos na Comissão Liquidatária, surgiu a oportunidade de conhecer também as suas convicções políticas, e mais do que isso, o seu passado político.
Fui merecedor de confiança bastante para ser seu confidente, num tempo em que falar de política significava correr alguns riscos.
Ficou então claro, para mim, o porquê de certas tomadas de posição.
Fiquei a saber também de como enveredou pela carreira militar, oferecendo-se para os quadros privativos de cada colónia portuguesa, no seu caso a de Moçambique, tentando ludibriar o sistema onde se encontrava referenciado como pessoa simpatizante ou com ligações a um partido de esquerda, então em oposição ao regime.
E se até aí tivera já a percepção de que o Chefe Carvalho tinha um carisma muito especial, tomei então consciência de que, para além disso, estava perante um defensor da igualdade entre os homens e sempre disponível para combater as injustiças.
Um Homem de convicções.

quinta-feira, 5 de março de 2009

A homenagem sem o homenageado

Mas vale a pena contar mais um episódio sobre a Grandeza do Homem que tivémos como Comandante, do quanto detestava a hipocrisia e de como protegia os seus comandados.
Sensivelmente a meio da comissão, chegou a Salazar o novo Capelão militar, um meu antigo chefe escuteiro de nome António Paulo Frade, que passou a dar-se muito bem com o Comandante Carvalho.
Em conversa com ele, este disse-lhe ter condenado os comentários pouco simpáticos, se não mesmo corrosivos, que os tais outros oficiais faziam a seu respeito.
Ora, quando no final da comissão e seguindo uma praxe, lhe dizem estar a ser preparada uma homenagem com festa de despedida, a sua reacção foi a de condenar a hipocrisia de quem tanto mal dizia de si e agora lhe preparava uma festa, na qual estariam presentes as mais altas patentes do sector militar em que nos encontrávamos.
Decidiu por isso que ele, homenageado, não estaria presente.
E foi o que aconteceu, embora levando-o a uma crise nervosa que lhe causou cãibras nos membros inferiores, durante a noite que antecedeu a viagem para Luanda.
Uma noite de denso cacimbo, em que da rua ouvi a voz do Chefe Carvalho, que na altura já não tinha a família consigo, a chamar pelo meu nome e pedindo para que fosse buscar imediatamente o enfermeiro, para lhe prestar assistência.
Que outro – que não o Chefe Carvalho – teria a coragem de tomar tal atitude ?

quarta-feira, 4 de março de 2009

Que dizer de uma comissão assim ?

Vistas as coisas a esta distância no tempo, quase se pode dizer que a experiência não podia ter sido melhor.
A oportunidade de a viver foi única e, se bem que tenham havido momentos menos bons, a verdade é que o ambiente que existiu foi, de um modo geral, sempre agradável.
Graças a uma relação privilegiada entre o Comandante Carvalho e o Chefe do Serviço de Material (com o curioso nome de Eduardo Joaquim Pai da Vida e Santos ) o PAD 1245 permaneceu todo o tempo em Salazar, quando outros tiveram de rodar o seu aquartelamento – da região norte para a região sul – com o transtorno que isso acarretava.
A cidade, pela situação geográfica, permitia que nos deslocássemos facilmente, em relativa segurança e sempre no asfalto, para outros grandes centros urbanos, como Luanda ou Malange.
Finalmente, termos a felicidade de um comandante que nos adoptou como seus familiares e uma família que nos dedicou todo o seu carinho.

terça-feira, 3 de março de 2009

Os almoços-convívio, pós comissão

Quando se tem da amizade a ideia de que é um dos valores mais preciosos que o ser humano pode ter, intuitiva e muito naturalmente procura reunir e estar junto de quem se gosta.
Ora da passagem pelo PAD 1245, que impôs uma convivência de mais de dois anos longe das famílias, haveria de resultar algo mais do que o dever de obrigação de estar junto de outras pessoas.
Assim, durante a comissão, fazendo jus ao velho ditado de que “cada ovelha busca sua parelha”, foram-se formando grupos de convivência mais próxima, de homogeneidade e dimensão variáveis.
De qualquer modo, o todo foi sempre muito harmonioso.
Para ajudar ao fortalecimento do espírito de família, tudo era pretexto para se fazer um convívio, uma comezaina ou um passeio.
Era o espírito da mensagem do Chefe Carvalho que estava a cumprir-se.
Por isso, e após alguns anos do nosso regresso, não foi difícil tomar a decisão de fazer contactos e diligências para a realização dos convívios, que vão acontecendo desde há 30 anos.
O primeiro aconteceu em Tomar, em 1979, haviam decorrido dez anos após a nossa chegada.

E não sendo um período muito longo, esses dez anos foram o suficiente para que muitas fisionomias se alterassem, tornando alguns deles bastante diferentes do que eram.
Uma vez que a maior parte deles foi acompanhado das suas famílias, inicia-se então um novo ciclo da vida do PAD 1245, dedicado este à consolidação desse espírito de família que havia sido iniciado em Angola.
O relacionamento entre elas tem vindo a desenvolver-se de forma muito agradável, havendo mesmo um estreitamento de relações entre alguns que tem conduzido a convivências familiares, nos mais variados momentos.

1979 – Tomar
1980 – Águeda (Pateira)
1981 – Peniche
1982 – Fundão
1983 – Sesimbra
1984 – Almeirim
1985 – Almeirim
1986 – Nazaré
1987 – Cartaxo (Saraiva)
1988 – Estremoz
1989 – Vila Chã de Ourique (Chavões)
1990 – Bolfiar (Águeda)
1991 – Nazaré
1992 – Vimeiro
1993 – Cartaxo (Cernelha)
1994 – Tomar
1995 – Quinta Valenciana (Seixal)
1996 – Fundão
1997 – Quinta Valenciana (Seixal)
1998 – Pateira de Fermentelos
1999 – Nazaré
2000 – Alcochete
2001 – Aljezur
2002 – Negrais
2003 – Bolfiar (Águeda)
2004 – Vila Chã de Ourique
2005 – Almeirim
2006 – Pateira de Fermentelos
2007 e 2008 - Não houve
2009 - Pateira de Fermentelos

segunda-feira, 2 de março de 2009

Brinde QUADRADO aos “Caldeireiros”

Era do Chefe Carvalho a expressão de "caldeireiros".
Sempre que a utilizava parecia-me querer dizer que era uma malta desenrascada e também sempre pronta a meter-se em aventuras, como as da “caça aos leitões” nas próprias sanzalas, para as sandes que haviam de ser servidas no bar do PAD.
E que boas que elas eram !
Para os lesados da caçada é que as coisas não tinham graça e por isso as queixas que foram feitas no quartel contra os caçadores fortuitos, que ainda por cima foram logo identificados pelo Jipão do Braguita.
Mas tudo se resolvia, pagando o prejuízo.
Como homenagem aos companheiros de dois anos de comissão, foi no almoço-convívio da Nazaré, em 1986, que dediquei este brinde aos caldeireiros, quadrando na dedicatória que definiu cada um deles:

Disse que para distracção
Não há melhor que o trabalho
Deve ter sido a insolação
Que apanhou o Chefe Carvalho

Com a sua forma de estar
Desportista ou de gravata
De galã tinha seu ar
O Ajudante Cachatra

Rações comeu tanta vez
P'ra fazer economias
Da tropa uma horta fez
O nosso Ajudante Dias

Tanto fez ou tanto faz
Nunca alterou sua maneira
Sempre foi um bom rapaz
O Rodrigues da Castanheira

Por ser tão organizado
Uma interrogação me agita
Terá o Miguel registado
Quantas vezes foi à sanita ?

Mesmo para um bico fino
Cair de queixo faz mossa
Mas ninguém foge ao destino
E o Ferreira beija a fossa

P’ra cheirar como as flores
Gastou muita água de cheiro
Pois eram fortes os odores
Das botas do Zé Monteiro

Ria muito mas era um triste
Aquele Furriel do Pelotão
Será que ainda existe
O Carlos Alberto Conceição ?

Deixou-nos em Salazar
Disse adeus, até à vista
Foi p'ra Luanda estudar
Não mais se viu o Baptista

Mal se via ao volante
E quase nunca abria o pio
Mas na arte era bastante
O Delfim – Algarvio

Se o mandavam trabalhar
Escapava-se o que podia
Apesar do Chefe lho chamar
Não é coirão – é Curia

Relógios ou pistolitas
P’ra ele era brincadeira
Fabricar dessas coisitas
Só o Batista Vieira

A alguém também se quer
Apenas pelo bom trabalho
P’ra além disso o Alenquer
Tinha apelido de Carvalho

No conserto do armamento
Se era bom não sei dizer
No que o Estima tinha tento
Era nas sandes, para comer

Se o Chefe não estivesse
Isso não fazia mal
As dispensas que houvesse
Assinava o Amaral

Com a barriga de então
Para o ver via-se aflito
Corre hoje com ele na mão
O Guilherme do apito

Éramos todos noivos dela
Mas somente de brincadeira
Pois as cartas da Graziela
Lia-as em voz alta o Nogueira

À gasolina fazer médias
É conta que não acaba
Era um cavalo sem rédeas
Aquela Secção do Mucaba

Desajeitado e imprudente
Perna torta e comprida
Casaram-no de repente
Ao pobre Rosca-Moída

No trabalho ou nos seus ócios
Nunca teve vida dura
Nem claros foram os negócios
Que fazia o Rua Escura

Era com ele prego-e-racha
E até por ser curtinho
Cabia dentro duma caixa
O carpinteiro S.Martinho

O Darinho das meiguices
Penteava-se qual uma dona
Por causa dessas tolices
Até lhe chamavam bichona

Se o feio vem demonstrar
Que a natureza tem falhas
Tínhamos lá um exemplar
O enfermeiro Maravalhas

Sempre tropa há-de ser
Mesmo não sendo fardado
Militar há-de morrer
O Zacarias Soldado

Era um estranho no Pelotão
Que eu não soube decifrar
Entendia-se com o cão
Chamava-se Gaspar

Com as folgas no Pelotão
Trabalhou por outros lados
E o Henriques viveu então
Os trabalhos dos retornados

Quando ao volante do jipão
Sempre de colarinho aberto
Fazia grande confusão
O guiar do Carlos Alberto

Cumpriu sempre com prontidão
Quaisquer ordens do comando
Só uma vez é que não
Conduziu bem o Armando

Na Mercedes ou na Quipata
Sempre soube o seu destino
Só a cerveja é que mata
A pouco-e-pouco o Avelino

Saiu um dia de Salazar
Ir a Luanda … que missão !
Pôs-se o Braguita a chorar
P’la sua amante – o jipão

Era artista no ferro forjado
Veio dos lados do verde vinho
Se o queriam ver zangado
Era chamar-lhe Mautinho

Com a ferramenta na mão
Gostava de comer de tudo
Ficou o Vila Real então
Um grandecíssimo barrigudo

Agarrado às tetas delas
Qual vaca que se munge
Com os pretos nas gamelas
Comeu o Fernando funge

Uma vez foi pendurado
Aquele meu braço canhoto
Tudo faziam ao coitado
Do Estêvão “Gafanhoto”

De roupa suja ou lavada
Louvor lhes deu o Comando
Aos que matavam a malvada
Taveira de Castro e Orlando

Ignorante mas convencido
Usava grandes palavrões
Mesmo sem nexo ou sentido
O Silva de Coimbrões

Na pintura fez borrada
Mas estava melhor por fim
Porque até na macacada
Melhorou muito o Delfim

Armado em galo emproado
E feito garanhão também
Foi às frangas veio depenado
O Vieira de Santarém

Pela sua grandeza d’alma
Nunca se lhe faça dano
Sendo forte sobra-lhe calma
Ao Conceição – Alentejano

Houve alguém que ficou chocho
Por não compreender bem
A zanga do Zé Rebocho
Ao chamar-lhe filho da mãe

Foi surpresa encontrar
Naquele calor de inferno
Um que sempre devia estar
Fresquinho, porque era Inverno

Por causa da escuridão
Ler os nomes não consigo
Para os negros do Peloão
Vai um abraço de amigo

Nenhuma desgraça lhe caia
Pois apenas nos fez dó
Mas o 1º. Sargento Maia
Deve ter-nos cá um pó !

Já ficaram pelo caminho
Acabou a sua história
Durães, Cardeal e Fininho
Silêncio em sua memória

E sendo os últimos os primeiros
Terei que dizer também
Que para nós caldeireiros
D. Aurélia foi uma Mãe

De mim não vou escrever
Pois o próprio não o faz
Aquilo que posso dizer
É que me chamo Roxo Vaz

Brinde especial:
Brindemos agora por elas
As namoradas de então
Por causa da falta delas
Quantos o esgalharam à mão

domingo, 1 de março de 2009

Para além do tempo

Na memória estão cá todos

Tudo tem o seu tempo - o de nascer – o de viver – o de finar.

Mas o tempo da memória é infindável.
E é por ser muito o tempo já decorrido desde que nos conhecemos, que as suas marcas vão ficando em todos nós.
Ora, a morte de um ente querido é sempre uma perda, sejam quais forem as circunstâncias.
Como membros de uma família que se formou a partir do PAD 1245, todos sentimos essas perdas, principalmente daqueles com quem mais lidámos de perto, como aconteceu com o Chefe Carvalho e o Duarte.
Evocar a sua memória e a de todos os outros que sabemos terem falecido, é o mínimo que se pode fazer, mas também é possível dizer que, para além do tempo, hão-de estar sempre connosco:

Carlos Eugénio Oliveira Carvalho
Duarte Nogueira Pereira
Marcelino José Pinheiro Rodrigues
José Maria Maia de Oliveira
Fernando Augusto Faria Cardeal
António Pereira Pinto (Fininho)
António Rodrigues Monteiro (Rua Escura)
Valdemar Tomás Vieira

Tratando-se de um relato na primeira pessoa, penaliza-me ter de chegar ao fim desta forma menos feliz.

Mas, repetindo: – tudo tem o seu tempo.

Até o tempo de chegar ao fim.