sábado, 21 de março de 2009

Criando amizades

A casa que os sargentos do PAD ocupavam na cidade, tinha uma localização privilegiada relativamente à Missão Católica, onde eram internas e estudavam largas dezenas de alunas.
No final de cada dia, era habitual as mesmas darem um passeio pela cidade acompanhadas por missionárias, que seriam suas monitoras.
O grupo era composto por alunas de todas as idades, mas as mais velhas ocupavam sempre a cauda do grupo.
Como o percurso se fazia pela rua da nossa casa, claro que ali estaríamos de plantão para as ver passar e dirigir-lhes eventualmente algum piropo.
Mas fomos mais longe na nossa apreciação, colocando-nos também perto da cauda do grupo e fazendo o seu acompanhamento, para gáudio de algumas mas provocando a ira das monitoras.
A dada altura a situação inverteu-se e os alvos dos comentários passámos a ser nós, chegando o dia em que, eu próprio, fui mesmo o visado.
Um pouco à distância, marchávamos na cadência do grupo, quando uma das alunas se atrasa e se dirige a mim, perguntando se não me chamava Beto, pois conhecia alguém com esse nome que lhe parecia a minha pessoa.
Disse-lhe que não, mas uma vez que era alguém seu conhecido, até ficava com pena de o não ser.
Percebi mais tarde que esse fora apenas o pretexto para se nos dirigir e estabelecer diálogo connosco.
A partir daí muitos bilhetes foram aparecendo na nossa casa, que chamavam de “a casa d’Irene”, recordando a letra de uma canção na altura muito em voga, que diria mais ou menos assim: “na casa d’Irene se canta se dança ...”.
Não era propriamente uma casa onde se cantasse ou dançasse, mas era verdade que ali reinava sempre a boa disposição.

Tal episódio veio dar lugar a outros semelhantes, como desafios em bilhetes que faziam chegar a nossa casa, para encontros no final da missa de domingo, que permitissem o mútuo conhecimento, mas tendo de ludibriar os olhares das monitoras que não as perdiam de vista um instante.
Este tipo de vivências, próprio de quem está longe dos seus e apenas quer que o tempo passe depressa, não representou porém, que se saiba, a quebra de qualquer compromisso assumido com as suas namoradas ou esposas que ficaram na Metrópole.
Dois casos houve, é certo, que culminaram em casamento – o do Rosca Moída e o do Vieira “dos frangos”, de Santarém.
Mas se havia compromisso anterior com outra mulher, não nos foi dado conhecer.
Todavia, as situações aparentando paixão também aconteceram, ao ponto de ser informado que alguém corta os pulsos com uma tesoura, por não ser correspondida no que dizia ser o seu amor.
Certo é que o leque de amizades se foi alargando.
E uma das relações que se estabeleceu também foi com o Simões, condutor da ambulância do Hospital de Salazar, que se dedicava à caça grossa, como veados, javalis, palancas e outros animais do mesmo porte.
Morava à entrada da Quipata.
A mulher do Simões era uma cozinheira extraordinária e os convites para um petisco feito das caçadas, foram surgindo.
Vezes sem conta surgiram esses convites, que para nós eram sempre bem vindos, e vezes sem conta convivemos com o Simões e família, deliciando-nos os com os petiscos da sua mulher.Quando nos deslocávamos à Quipata, onde aconteciam as petiscadas, era por vezes conviva da casa do Simões um ancião que nos diziam ser Soba (chefe de uma determina área territorial).
Uma figura que impressionava pelo seu porte e uma pessoa que cativava imediatamente quem com ele convivia.
Não me cansava de o escutar, face à sua filosofia de vida.
Mesmo a conversa sobre temas tão sensíveis como os relacionados com a independência dos povos africanos eram já por si abordados, face a perguntas que lhe fazia, e às quais respondia de forma que denotava bem todo um saber de experiência feito.
Ficou-me na memória.

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